quarta-feira, outubro 01, 2008

À Rubem Fonseca

Despertei. Estou de mau-humor. Acordar de mau-humor é uma ótima maneira de arrostar o dia, sem sorrisinhos falsos de homens com remelas nos olhos. Bom dia é o caralho.
Tente entender: Moro há um mês num sobrado com minha mãe. Além da perda de privacidade, tenho que ouvir seus amiguinhos escrotos falando ao telefone. Eu não mereço isso. Estou nervoso, vou me mudar amanhã.
Meu tio possuí várias kitnetes, as quais herdou da minha vó. Não foi bem isso, mas simulemos que sim. Ele vive dos aluguéis desses imóveis. São seis. Há quatro na parte frontal e duas na parte de trás do terreno. Como eu e minha mãe estávamos morando em uma kitnete, e ele, meu tio, em outra, sobraram quatro.
Pensando em seu conforto, em seu umbigo, em suas mulheres, em suas roupas, o filho da puta do meu tio praticamente impôs que vai morar comigo. Filho de uma puta! Sempre soube que seus olhos eram maiores que a cara, um dia eles pularão da órbita, de tão grandes.
Tento respirar, tento ler, tento dormir. Não consigo. A energia elétrica foi cortada, estamos no escuro. Alimentos apodrecem na geladeira. Rio, pra não chorar.
É noite de sexta, vou ao teatro, há um festival na cidade. Meu tio me acompanha. Coitado, sinto pena dele, mal sabe escrever o nome e se acha apreciador de artes cênicas. Quando penso nisso, sério, caio na gargalhada.
Ao irmos ao teatro, julgo estar tudo bem, pois conversamos normalmente. Pura ilusão. A peça acaba, ele começa. Fala, fala, fala. Ouço, apenas ouço. Não vale a pena descrever nosso diálogo, pois além de baixo, foi muito pessoal. Suas palavras me tocaram no íntimo. Ofenderam-me de verdade. Isso é raro, não lembro a última vez em que isso aconteceu. Quando conheceremos realmente uma pessoa? Quantas faces possui um homem? Não me atrevo a responder.
Estou desacreditado. Nada será como antes. Nada será como antes, repito em voz baixa.
Foi uma noite surreal, inacreditável, pareceu sonho, ou pesadelo. Pareceu, mas não era. Vi que era tão real quanto seu baseado aceso.
De cabeça baixa me retirei, prometendo ser duro, ser forte. Prometendo mudar. Nada será como antes.

Rotina

Veja a rotina desse menino: Segundas e quartas acorda cedo, tem aula de inglês, a qual conta os minutos pra se ver livre. Vai sem tomar café, come apenas uma banana. As vezes escova os dentes, quando não está atrasado.
Pensa bastante na vida quando acorda. Sabendo disso, decide parar de pensar. A aula corre bem, ele volta só, e permanece em casa até a hora do almoço. Essas horas o agonizam. Sente muita falta dos amigos. Isso passa quando lhe oferecem um cigarro. O cigarro da paz, se é que vocês me entendem. Fuma, ri, viaja. Como isso é bom. É apenas a segunda-feira.
Almoça, volta ao ócio. Novamente lembra-se dos amigos, que saudade...
A noite chega, sente-se melhor. Passara a tarde lendo. Ler é seu maior passatempo. De vez em quando escreve. A preguiça é seu maior vilão, ou será a impaciência? Ele tem dúvidas.
Em sua casa há música 24 horas. Talvez seu humor, seu estado de espírito acompanhem os sons. Acaba de ouvir Bob Dylan, acende um cigarro, o convencional, e canta junto, baixinho.
Fecha os olhos, puxa, traga, solta. Fim da segunda-feira. Terminou bem.